quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Em primeiro lugar, amor

Era quase verão, pela cidade havia tantos outros olhares e tantas outras pessoas se encontrando a todo o momento, mas há coisas na vida em que a gente nunca mais esquece e acabam se tornando peças principais do nosso quebra-cabeça. Foi pura sorte tê-la encontrado. Em um diário escreveria que dia 8 de novembro foi um dia memorável.
De uma simplicidade e uma suavidade notáveis logo de início, ela abriu o portão e olhou radiante para a rua. Me recebeu e ali seria o começo de sua história.
Com um sorriso largo e luminoso, ela segura as fotografias em suas mãos para me mostrar. As vibrações coloridas do vinil que tocava, faziam a sala flutuar, como se estivesse dentro de um filme antigo qualquer, com os personagens principais em cena.
Dona de uma beleza cativante, Maria Luiza Pinto Barros, 77 anos, exibe com orgulho o que a idade lhe proporcionou. Mais que beleza, sabedoria. Ele, Milton Roma, 82 anos, mais conhecido como Roma, nunca deixou Maria Luiza sozinha. Nenhum instante. Ali, naquela tarde, ele estava presente em tudo, inclusive nas memórias, nunca esquecidas por ele. As lembranças que cada um guardava, e são tantas, transpareceram tão nitidamente em seus olhos. O amor e a admiração que Roma sente por Maria Luiza são insubstituíveis. Se ele pudesse oferecia a ela um dos anéis de Saturno ou uma das luas de Júpiter. Talvez até Titã, a maior delas.
Maria Luiza nasceu em Santos, trabalhou e casou por lá. Teve três filhos do primeiro casamento: Alexandre, Maria Aparecida e Rosângela. Com isso, ganhou dois netos e três bisnetos, dos quais se orgulha em falar da saudade. Maria Luiza ficou viúva muito cedo, aos 33 anos, perdeu o marido devido a um câncer. Costureira desde os 13 anos, começou a trabalhar ainda mais, para esquecer a solidão. Roma, naquela época, morava em São Paulo. Era divorciado e pai de três filhos: Sueli, Roseli e Priscila. Mas hoje, pouco contato tem com a família. Só com a irmã, a única que ele tem, e que coincidentemente estava em sua casa. Talvez com a separação, a família tenha se perdido, ou os laços ficaram menores. Nem sabe ao certo se tem netos ou bisnetos. A família de Maria Luiza tornou-se sua; seus filhos o receberam como um pai e um amigo.
Os pais de Roma moravam em Santos, e em uma ida para o litoral, ele foi à casa da costureira buscar um vestido para sua mãe. O encanto por ela aconteceu ali. Tão bonita que ele baixou os olhos, sem saber que ela também o tinha visto. Devagarzinho, conquistou o espaço junto à porta. E o próximo passo seria conquistar seu coração. Ria sozinho quase sempre após aquele dia tentando controlar a própria paixão, discretamente feliz. Seus pais já haviam falado muito bem daquela mulher que se tornara viúva, mas que não perdera o encanto pela vida.
Roma decidiu então se mudar para Santos. Ele era representante autônomo, e não tinha nada que o prendia em São Paulo. Em Santos, agora teria e seria para sempre. Seu maior medo era o destemor que sentia. Íntegro, sem mágoas, nem carências ou expectativas. Inteiro, apenas sentia. Maria Luiza estava viúva há apenas dois anos. Em um dia qualquer, sem nunca mais ter aparecido, ele bate na porta e a convida para ir ao cinema. Ela surpresa, e sem saber como agir no momento, decidiu aceitar. Romeu e Julieta foi o primeiro filme que eles assistiram juntos. Havia borboletas no estômago, naquela história que começaria ali. No mesmo instante começaram a namorar. Em 5 de dezembro de 1971 se casaram, após 6 meses de namoro. Ambas as famílias aprovaram. Os pais de Maria Luiza, nada mais queriam do que a felicidade da filha. São quase 40 anos, de companheirismo e respeito, que vi naquela tarde.
Em 1984, eles se mudaram para Lins. Maria Luiza tinha uma filha que morava na cidade. Aqui, ela continuou trabalhando como costureira e ele como autônomo, mas se aposentou em 1988, devido a problemas de saúde. E assim passaram-se anos. De lá para cá, os dias são assim: de sol, tranquilidade, luz, sabedoria e cumplicidade.
Participaram ativamente da criação de um grupo da Terceira Idade, dançando em bailes e participando de concursos de beleza. Maria Luiza exibe as faixas com orgulho.
A ideia de se inscrever para os concursos da Melhor Idade foi de Roma. Em 2002, Maria Luiza deixou para trás 13 candidatas e venceu como Miss Melhor Idade em Lins. Roma, porém, não se classificou. Maria Luiza, então foi para São Paulo, acompanhada de Roma, em um evento organizado na sede da Polícia Militar e garantiu o primeiro lugar como Miss Melhor Idade do Estado de São Paulo.
Em 2007, eles voltaram a participar do concurso em Lins, no qual Maria Luiza foi escolhida novamente. Eram aproximadamente 15 mulheres e 8 homens. Roma não se classificou e mais uma vez ela iria para São Paulo, concorrer ao primeiro lugar. Dessa vez, no Memorial da América Latina, com 38 concorrentes. Maria Luiza foi eleita a 1ª Princesa Melhor Idade.
Tudo se reflete em seu sorriso, até a beleza. Depois de 2007, nunca mais participaram. Maria Luiza explica que deixou o concurso e as atividades do grupo pelos problemas de saúde de Roma. Nesse momento, quando os blues tornavam-se ainda mais lento no vinil, é que se ouviam o cantar dos pássaros lá fora e pude observar o olhar doce dele para ela a todo instante.
Eles escolheram viver assim: juntos em tudo o que fazem. Como uma fidelidade que não vemos mais facilmente por aí. Os dois caminham na mesma direção. E permanecem assim. O que vejo nessas pessoas são vontade de viver e reviver cada minuto. Nos olhos transparentes, permanecem a paixão de 40 anos atrás. Paixão nunca morre. Portanto fico sem explicação, encantada com Maria Luiza e admirada com Roma.

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